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Denise Lobato Gentil e Victor Leonardo de Araújo

Introdução

A segunda metade dos anos 2000, particularmente a partir de 2006, marcou um período de importantes mudanças na atmosfera macroeconômica brasileira, com a retomada do crescimento do PIB e a redução da taxa de desemprego. A recuperação do poder de compra do salário mínimo e a ampliação dos programas de transferência de renda às famílias constituíriam peças fundamentais neste processo, complementados por um cenário internacional favorável composto pela expansão da demanda por commodities agrominerais, e pelo aumento da liquidez internacional. Estimulada pelo crescimento do consumo agregado gerado pela política social e pela expansão do crédito, a taxa de investimento iniciou, então, uma fase de elevação, com destaque para o avanço do investimento público, notadamente das empresas estatais federais, complementada pela ação das instituições federais de fomento.

Entretanto, alguns indicadores têm apontado incerteza no horizonte da economia brasileira. A manutenção de elevadas taxas de juros e a longa trajetória de valorização real da taxa de câmbio, só parcialmente revertidas em período recente; o aumento do endividamento externo, agora tendo o setor privado como protagonista; e, o aumento do assim chamado passivo externo em velocidade superior ao acúmulo de ativos externos sugerem que o problema da crônica restrição externa foi apenas atenuado ou camuflado. No front interno, a continuidade do padrão de crescimento brasileiro baseado em políticas sociais e de valorização do salário mínimo, por sua vez, é costumeiramente posta em xeque em decorrência de uma suposta deterioração da situação fiscal. Dada a rigidez do regime de política macroeconômica em vigor no Brasil, conciliar o patamar elevado de juros e o crescimento das operações de enxugamento de liquidez devido ao acúmulo de reservas com a necessidade de manter políticas sociais distributivas e de financiamento dos investimentos públicos em ascensão, constitui um verdadeiro quebra-cabeça. O suposto agravamento do quadro fiscal seria ainda intensificado pela maior dependência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) dos empréstimos do Tesouro Nacional. O resultado seria uma trajetória de suposto risco para a dívida (bruta e líquida) do setor público.

Desta forma, este trabalho busca avaliar em que medida o acúmulo de passivos em moeda doméstica (na forma de dívida do setor público) e externa (na forma de dívida privada, pública e também de investimentos externos) constituiriam obstáculos ao desenvolvimento brasileiro. A hipótese principal levantada por este trabalho é a de que o padrão de crescimento da economia estaria produzindo um conforto, apenas aparente e, por isso mesmo, transitório, quanto à restrição externa. Por outro lado, os indicadores fiscais sugerem maior tranqüilidade do que a maioria dos analistas costumeiramente aponta especialmente se forem levadas em consideração a dinâmica e a composição do endividamento interno do setor público.

Este trabalho está estruturado em quatro seções, a contar a presente introdução. A trajetória e composição do endividamento público são discutidas na seção dois, enquanto o passivo externo é abordado na terceira seção. A seção quatro apresenta as considerações finais.

 

1. Endividamento público — há alguma ameaça nesse front?

O panorama de redução da dívida pública parece bastante tranquilizador[1].  A Tabela 1, a seguir, mostra a evolução da dívida líquida do setor público (DLSP) como percentual do PIB, no período de 2001 a junho de 2013[2]. É possível constatar que a trajetória da DLSP foi de queda acentuada, de 21,2 pontos percentuais do PIB, tendo passado de 55,7% em dezembro de 2002 para 34,5% do PIB em junho de 2013. Não resta dúvida de que, olhando-se apenas a evolução desse indicador, o cenário apresenta-se incomparavelmente superior ao da década de 1990[3].

Este movimento de redução da dívida refletiu, em grande parte, as contribuições do crescimento anual do PIB entre 2004 e 2010, fase em que a economia brasileira teve um dinamismo diferenciado. Foi também reflexo da manutenção de elevados superávits primários, sustentados mesmo nos momentos de crise (como foi o resultado primário de 3,5% do PIB em 2008) e nas fases iniciais de transição para a recuperação do crescimento (2,1% em 2009). Os demais fatores de redução da dívida líquida serão avaliados a seguir.

 

Tabela 1
Dívida líquida do setor público (% do PIB) 2001-2010*

2001 50,2
2002 55,7
2003 53,4
2004 48,7
2005 47,0
2006 46,3
2007 44,1
2008 37,4
2009 42,8
2010 40,2
2011 36,4
2012 35,2
2013 (junho) 34,5
* PIB valorizado pelo IPCA. Valores da dívida exceto Petrobras. Posição em dezembro.
Fonte: Banco Central e GOBETTI e SCHETINI (2010)

 

Antes, é necessário apontar que, mesmo diante da redução desse indicador de endividamento, alguns autores têm chamado atenção para as transformações que ocorreram na estrutura patrimonial da dívida pública, assim como em sua dinâmica nos anos 2000 que têm provocado a elevação da dívida bruta. Assim, é necessário avançar para além da constatação isolada e limitada desse indicador líquido e observar com mais profundidade se há ameaças no campo fiscal que possam ter importância dentro do conjunto dos indicadores macroeconômicos atuais e futuros. Este será o objetivo central desta seção.

Ao contrário do comportamento de queda da dívida líquida do setor público, a dívida interna bruta do governo geral passou de 46,7% para 55,4% do PIB entre dezembro de 2001 e junho 2010, um aumento de 8,7 p.p. do PIB (GOBETTI e SCHETTINI, 2010). Em abril de 2013 alcançou 59,2% do PIB. O que explicaria tal crescimento e qual sua relevância?

A resposta a esta pergunta passa pela análise das fontes de pressão exercidas sobre este passivo, as quais possuem três naturezas distintas.

Primeiro, a que provém das captações de recursos destinados a fornecer empréstimos do Tesouro Nacional ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a empresas estatais, que se acentuaram a partir de meados de 2008 e se transformaram num dos mecanismos mais relevantes de reação aos impactos da crise financeira internacional, sobretudo no que se refere à sustentação dos investimentos da Petrobras, empresa estratégica para uma nova etapa de desenvolvimento do país.

O segundo tipo de pressão é aquela que decorre das emissões de títulos com os objetivos de adquirir reservas internacionais e de regular a liquidez da economia (operações compromissadas). De fato, os motivos acima citados fizeram a dívida mobiliária se expandir consideravelmente no período avaliado, tendo passado de R$477,9 bilhões em dezembro de 2001, para R$ 731,8 bilhões em 2003 e R$1,8 trilhão em dezembro de 2012, conforme Banco Central, Série Histórica da Composição da DLSP — ver tabela 2 a seguir.

 

Tabela 2
Dívida mobiliária federal, 2003 a 2011

Posição em dezembro
R$ milhões

2003 731.858
2004 810.264
2005 979.662
2006 1.093.495
2007 1.224.871
2008 1.264.823
2009 1.398.415
2010 1.603.940
2011 1.766.643
2012 1.899.416
2013* 1.877.777
Fonte: Banco Central
*Posição em junho.

 

As operações do Tesouro Nacional com o objetivo de conceder empréstimos subsidiados ao BNDES e outras instituições financeiras oficias, assim como as operações de aquisição de reservas, acima citadas, não expandem, entretanto, a dívida líquida do setor público (DLSP), uma vez que implicam, simultaneamente, em aumentos no ativo. Tais ativos são os créditos do Tesouro junto ao BNDES e as reservas internacionais.

Para se ter uma idéia desse processo, entre dezembro de 2001 e junho de 2010, os créditos do governo junto a instituições financeiras oficiais cresceram de 0,3% para 6,8% do PIB, enquanto os créditos externos vinculados às reservas internacionais se elevaram de 4,5% para 13,1% do PIB (GOBETTI e SCHETTINI, op.cit.). Assim, dado esse acúmulo de ativos, o aumento da dívida mobiliária interna não pesou sobre o indicador da dívida líquida. A tabela 3, a seguir, mostra a expressiva evolução dos créditos mais importantes do governo geral.

Além da expansão de ativos citada, é preciso considerar que a dívida externa bruta e a dívida interna atrelada ao dólar foram significativamente diminuídas. A partir de 2004 o governo adotou a estratégia de antecipar a quitação de débitos externos, acumular reservas internacionais e mudar o perfil de indexação da dívida interna.

 

Tabela 3
Créditos do Governo

Crédito junto ao BNDES
R$ milhões
Crédito junto às estatais
R$ milhões

Reservas em moedas estrangeiras
U$ milhões

2006

9.953

20.041

2007

6.645

18.805
2008

35.454

18.977 190.929
2009

129.237

16.518 228.644
2010 236.723 15.274

276.148

2011 302.225 14.430*

352.012

2012 371.673 s.d.

362.064

*Valor estimado.
Fonte: Banco Central

 

Deste modo, desde setembro de 2006 até os dias de hoje[4], a dívida externa líquida tem se tornado crescentemente negativa, isto é, o valor dos ativos externos supera os passivos. Em dezembro de 2001 a dívida externa líquida do setor público brasileiro era positiva em R$125,2 bilhões. Em dezembro de 2010 estava negativa em R$359,7 bilhões. Em junho de 2013 ficou negativa em R$670,8 bilhões[5]. A tabela 4, a seguir, mostra a evolução de queda acentuada da dívida líquida do setor público a partir de 2004, o que contribuiu para uma redução importante da dívida líquida total do setor público.

 

Tabela 4
Dívida Externa Líquida do Setor Público, 2001-2013

R$ milhões % do PIB

2001

125.162 4,6

2002

231.744 15,7

2003

189.728 11,2

2004

153.229 7,9

2005

67.906 3,2

2006

-27.816 -1,2

2007

-198.360

-7,5

2008 -332.440

-11,0

2009 -292.532

-9,2

2010 259.692

-9,8

2011 -538.468

-13,0

2012 -619.419

-14,1

2013 (junho) -670.807

-14,6

Posição em dezembro.
Fonte: Banco Central. Disponível aqui.

 

Por outro lado, apenas 0,5% dos títulos públicos federais estavam indexados ao câmbio em dezembro de 2010, enquanto no mesmo mês do ano de 2002, este percentual era de 33,5%. Há, portanto, uma mudança radical na composição dos indexadores da dívida interna, reduzindo de forma significativa sua exposição às flutuações cambiais.

Por esses motivos, a dívida líquida do setor público (DLSP), que consolida ativos e passivos, internos e externos, medida em percentual do PIB, passou por uma trajetória de redução e de mudança em sua estrutura e em seu dinamismo desde 2003 até 2013. A transformação da dívida externa em dívida interna e a quase eliminação da indexação ao câmbio reduziu consideravelmente a exposição do orçamento público aos choques externos. Além disso, o acúmulo de reservas internacionais criou maior proteção para enfrentar as crises cambiais. A dinâmica da dívida pública está, hoje, portanto, ancorada aos mecanismos internos da política monetária, cambial e fiscal, logo, sob controle do Tesouro e Banco Central. Esta é uma realidade substancialmente diferente de períodos históricos anteriores em que o endividamento externo e as relações de intensa abertura comercial e financeira com o resto do mundo constrangiam a política de gestão de dívida pública e barravam a sustentabilidade do crescimento.

O acúmulo de reservas internacionais, decorrente de uma conjuntura favorável nas relações comerciais com a China e da atração de capitais para o país, transformou-se não apenas num mecanismo essencial de proteção cambial contra choques externos e de gestão da cotação do câmbio, mas provocou um impacto bastante favorável sobre a dívida pública. Como se pôde observar a partir da mais recente crise externa ocorrida em 2008, o valor, em reais, das reservas internacionais foi expandido em função da desvalorização cambial ocorrida no último trimestre do ano de 2008. Este aumento do valor das reservas ajudou a reduzir a dívida líquida do setor público de 44,1%, em 2007, para 37,4% do PIB, em 2008 na conjuntura de crise externa (ver tabela 1). Este resultado teve o importante papel de viabilizar a adoção de medidas fiscais e monetárias expansivas de enfrentamento da crise, numa reação sem paralelos nos últimos vinte anos. O acúmulo desse ativo, portanto, evitou um choque perverso e levou a um movimento inverso aos que foram protagonizados nas crises cambiais de 1999 e de 2002/2003, momentos em que houve explosão da dívida pública e a adoção de políticas econômicas fortemente restritivas e estagnacionistas. Portanto, calcular os benefícios que a estratégia de acumulação de reservas tem propiciado, a fim de confrontar com os custos fiscais de sua manutenção, não é uma tarefa simples e objetiva. Na verdade, encerra um forte conteúdo subjetivo em termos da avaliação do que com ela se preservou como decorrência da redução da incerteza e da preservação do dinamismo macroeconômico.

Além da eliminação da exposição da dívida pública aos choques cambiais é essencial considerar o impacto dinâmico sobre a economia. Cada parcela que compõe a dívida mobiliária federal tem efeitos (positivos e negativos), de intensidades diferentes, no que diz respeito a sua capacidade de influenciar a demanda agregada, elevar a capacidade produtiva e reduzir o desemprego.

A parcela da dívida pública interna que se expandiu em decorrência de empréstimos ao BNDES e a empresas estatais, serviu para o financiamento a empreendimentos produtivos e proporcionará formação de capital e criação de um cenário de menor incerteza e maior atração para a ação dos agentes privados. Logo, a dívida tem capacidade de influenciar a demanda agregada, elevar o nível de investimento e de emprego e, por consequência, mobilizar recursos que se converterão em arrecadação de impostos. A dívida pública se transforma, assim, num poderoso instrumento de alavanca fiscal, determinando o ritmo dos investimentos e do emprego através da intervenção planejada do Estado e, simultaneamente, da geração de receitas para se autofinanciar.

Não resta dúvida de que a manutenção de determinados ativos pode acarretar um custo fiscal para a sociedade, na medida em que a remuneração do ativo for mais baixa que a dos títulos públicos cuja emissão lhes corresponderam. O diferencial entre a (elevada) taxa de juros das emissões de títulos federais para captação dos recursos destinados a instituições financeiras oficiais e a taxa de retorno (mais baixas) pelas quais o BNDES e demais bancos oficiais vão remunerar o Tesouro, acaba por gerar um passivo. Da mesma forma, há também um custo fiscal associado ao diferencial de juros entre as aplicações das reservas internacionais (muito baixos) e os juros (elevados) pagos pelo Tesouro aos proprietários dos títulos que lhes servem de contrapartida[6].

Tais custos já foram objeto de mensuração por alguns estudos do BNDES e pelo próprio Banco Central (este último, no caso do custo de manutenção de reservas)[7]. Entretanto, se os custos já foram razoavelmente mensurados, o mesmo não se pode dizer com relação aos benefícios. Seria preciso medir o impacto positivo do dinamismo que geram na economia as operações de financiamento de investimentos privados e de consumo das famílias feitas através de bancos públicos, pois elas poderão não apenas compensar, mas até mesmo superar — em termos de efeito multiplicador sobre o PIB, a renda e a arrecadação de tributos — aquilo que se calcula como custo do diferencial de juros[8].

Alguns analistas têm avaliado que a ampliação do crédito junto a instituições financeiras oficiais é parte não apenas de uma intervenção estatal de enfrentamento da instabilidade cíclica, mas seria também uma estratégia que objetiva criar no Brasil (via BNDES) grandes empresas nacionais, estatais e privadas, com poder de inserção no mercado mundial. Este seria o caso da concentração de capitais em empresas nacionais no mercado de carnes, telefonia, celulose e petroquímica, alavancadas pelo BNDES[9].

Essa estratégia poderá ser bem sucedida ou não, a depender dos critérios de avaliação, mas o fato é que ela revela outra face das finanças públicas de grande relevância. A dívida e os bancos públicos têm sido historicamente utilizados pelas diversas nações como um mecanismo de expansão econômica, acumulação de poder e fortalecimento da projeção dos países no plano regional e/ou internacional.

Essa percepção da dívida pública como instrumento para fomentar o dinamismo econômico nos momentos de debilidade cíclica e, ao mesmo tempo, projetar uma nação na competição contra outros países encontra-se nas raízes das práticas capitalistas adotadas pelos ingleses desde o período de nascimento do capitalismo e, depois, pelos Estados Unidos e demais nações européias (WRIGHT, 2008). Nem sempre funcionou de forma favorável para todos em todas as circunstâncias históricas. Cada nação tem encontrado uma resposta própria e cada caso tem sua especificidade. A grande questão sempre foi saber como utilizar a dívida pública sem transformá-la num mecanismo de risco gerador de distúrbios financeiros ou de falência, usando de habilidade no arranjo fiscal e monetário para a construção das finanças públicas favorecedoras do desenvolvimento.

A análise da composição e dinâmica da dívida pública, entretanto, não se esgota com as observações favoráveis até aqui levantadas. Há ainda a analisar uma parcela importante da dívida mobiliária que se expandiu em decorrência da apropriação de juros nominais, fruto da operacionalização da política monetária mantenedora de taxas de juros frequentemente elevadas, dentro dos marcos do regime de metas de inflação.

Não será demasiado reforçar que a dinâmica da dívida líquida do setor público depende da taxa de juros (implícita) incidente sobre a DLSP. A taxa de juros implícita, por seu turno, será tanto maior quanto: “(i) maior for o diferencial entre a SELIC e a TJLP; (ii) maior for a participação das reservas internacionais nos ativos financeiros do setor público; (iii) maior for a taxa SELIC dos anos imediatamente anteriores (uma vez que a dívida bruta é composta de diferentes safras de títulos emitidos em anos diferentes); e (iv) maior for a razão entre a dívida bruta e a dívida líquida” (Do Santos e Macedo e Silva, 2010).

Já foi observado anteriormente que a expansão da dívida atribuída às políticas de crédito às instituições financeiras públicas e de acúmulo de reservas cambiais impõem um custo fiscal, que será tanto mais alto quanto maior for o diferencial de juros entre ativos e passivos — diferencial este que é ampliado pelas taxas elevadas de remuneração dos títulos públicos[10].

Assim, as elevadas taxas SELIC produzidas pelo regime de metas de inflação têm gerado efeitos fiscais consideráveis. Tal política atua no sentido de reduzir a demanda agregada, na suposição da existência de um descompasso entre oferta e demanda a cada vez que a previsão de inflação se afasta da meta estabelecida. O Banco Central atua no mercado aberto lançando títulos públicos para enxugar a liquidez da economia (operações compromissadas) quando a meta da taxa Selic é elevada pelo Comitê de Política Monetária — Copom. É importante mencionar que as emissões de títulos utilizados pela autoridade monetária são, desde a implantação da Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2000, uma atribuição do Tesouro. Portanto, cada lançamento de títulos com esse fim impacta diretamente a dívida. Entretanto, conforme expõem Gobetti e Schettini (2010), “do ponto de vista imediato ou estático, as operações compromissadas do BC não alteram o endividamento porque sua elevação sempre tem como contrapartida o igual enxugamento da base monetária [passivo do BC, embora sem custo]. Do ponto de vista dinâmico, entretanto, a substituição de um passivo, como a base monetária, sobre o qual o governo não paga juros, por outro passivo mobiliário, remunerado pela taxa Selic, impõe um custo para o Tesouro que nada tem a ver com a política fiscal”. O custo é a apropriação dos juros.

O efeito de desaquecimento da economia provocado pela política de juros elevados decorre do estímulo a retenção de ativos financeiros nas mãos dos agentes privados como meio de acumulação de riqueza, em detrimento do investimento gerador de produção, emprego e renda. A dívida se transforma num instrumento de refúgio seguro e rentável dos afortunados e é, por isso, portadora de grandes desigualdades sociais. Como esta fração da dívida está longe de ser desprezível, pode-se dizer que a autoridade monetária persegue uma política inadequada aos objetivos de desenvolvimento e contraditória com relação às demais metas institucionais apresentadas pelo conjunto do governo.

Por fim, além do impacto da política monetária, há que se considerar o impacto da política cambial sobre a dívida pública. Em fases de depreciação cambial, há uma redução do endividamento público, conforme já apontado anteriormente, porque as reservas se valorizam, enquanto nas fases de apreciação cambial a dívida líquida se eleva, porque provoca desvalorização das reservas. Em 2008, por exemplo, quando o câmbio se depreciou em 32%, exerceu uma contribuição de 2,6 pontos percentuais do PIB para a redução anual do endividamento líquido. Em 2009, com a rápida apreciação de 25,5% do câmbio ocorreu um impacto de 2,5 pontos percentuais do PIB para o aumento da dívida líquida. Em 2010 a valorização cambial acumulada no ano foi de 4,3%, o que resultou num acréscimo de 0,5 pontos percentuais do PIB na dívida líquida[11].

Em conclusão, é imperativo constatar que o volume e a dinâmica da dívida pública brasileira estão diretamente relacionados com os efeitos da política monetária, cambial e de crédito do governo federal, tendo pouca ou nenhuma ligação com a política fiscal de gastos e receitas públicas primárias. Ao contrário do que é apregoado pelo pensamento convencional, a política fiscal é geradora de superávits primários que ficam acumulados na conta única do Tesouro, contribuindo para diminuir a dívida líquida do setor público, mas também colabora para reduzir o impacto dinâmico dos gastos sobre a economia, com efeitos adversos sobre a demanda agregada e sobre o nível e composição do produto e do emprego. Em síntese, a se manter um patamar de juros elevados e dada a atual composição de ativos e passivos, esse desfecho apenas seria evitado se outros fatores exercerem influência contrária mais forte, sustentando o crescimento do PIB da economia.

E, neste sentido, é necessário considerar a hipótese de que a continuidade do PAC, a exploração do Pré-sal, o programa habitacional para a população de baixa renda e os eventos internacionais que serão sediados pelo país (Jogos Olímpicos e Copa do Mundo) são favorecedores do crescimento da taxa de investimento da economia e, assim, elevam as chances de sustentação de crescimento no futuro. Resta saber se terão a profundidade e a qualidade essenciais para promover as necessárias transformações estruturais e se serão acompanhados da adequada política monetária e cambial que reduza o custo fiscal e as restrições externas dessa estratégia.

 

2. O passivo externo: ameaça real

Uma vez analisados os riscos oferecidos pelo endividamento público interno à continuidade da trajetória de crescimento do PIB, convém analisar agora os riscos advindos do front externo. De forma análoga ao que foi feito na seção anterior, a análise priorizará as variáveis que remetem aos estoques, e por isso começaremos pelo passivo externo bruto brasileiro. Definido como o total de débitos ou compromissos de um país em moeda forte (Lacerda & Oliveira, 2009), este conceito considera não somente a dívida externa pública e privada, como também os investimentos estrangeiros (diretos e em carteira). Do ponto de vista analítico, o conceito permite visualizar as potenciais pressões que aqueles compromissos exercem sobre as reservas cambiais. Esta análise é importante porque constitui uma das dimensões através das quais é possível mensurar o grau de vulnerabilidade externa de uma economia. Este outro conceito, por sua vez, está associado à (baixa) capacidade de uma economia resistir a pressões, fatores desestabilizadores ou choques externos (Gonçalves, 2006: 36).

Os compromissos vincendos no curto prazo possuem maior potencial desestabilizador nos momentos de maior preferência pela liquidez em moeda forte. Daí a importância de outro conceito, o de passivo externo bruto de curto prazo, composto pela dívida de curto prazo e pelo investimento externo em portfolio. Os compromissos de longo prazo também exercem pressão sobre as reservas cambiais, só que em menor escala e são potencialmente menos desestabilizadores.

Outro conceito útil é o de passivo externo líquido (doravante PEL), definido subtraindo-se os ativos externos em moeda forte do passivo externo bruto (PEB). Este conceito denota a capacidade dos compromissos externos serem saldados pela liquidação desses ativos, notadamente as reservas internacionais. A tabela 4 a seguir apresenta os dados referentes ao passivo externo brasileiro de 2003 a 2012.

Como essas duas componentes (dívida e investimentos) possuem naturezas distintas, proceder-se-á uma análise em separado. Comecemos pela dívida externa.

2.1. Dívida externa

Entre dezembro de 2003 e dezembro de 2005, este item apresentava trajetória de queda, induzida essencialmente pela redução da dívida do setor privado, pela redução do estoque de dívida em poder da autoridade monetária (equivalente à quitação da dívida com o Fundo Monetário Internacional) e em menor escala pela redução da dívida do governo geral. No ano seguinte, a dívida do governo geral é reduzida com maior intensidade, mas este movimento é mais do que compensado pela retomada do endividamento externo do setor privado. A abundância de liquidez nos mercados financeiros internacionais teria criado as condições para a expansão das emissões privadas de dívida, bem como dos empréstimos bancários.

 

Tabela 4
Passivo externo brasileiro: dez-2003 a dez/2012

Discriminação

dez-03

dez-05 dez-07 dez-08 dez-09 dez-10 dez-11   dez-12
 

US$ bilhões

% US$ bilhões % US$ bilhões % US$ bilhões % US$ bilhões % US$ bilhões % US$ bilhões % US$ bilhões

%

Dívida externa

214,9

53,2 169,5 35,2 193,2 21,1 198,3 28,9 198,2 18,4 256,8 17,0 298,2 20,1 312,9

20,1

Curto prazo

20,2

5,0 18,8 3,9 38,9 4,2 36,4 5,3 31,0 2,9 57,3 3,8 40,1 2,7 32,6

2,1

Longo prazo

194,7

48,2 150,7 31,3 154,3 16,9 161,9 23,6 167,2 15,6 199,5 13,2 258,1 17,4 280,3

18,0

I — Governo geral (longo prazo)1

83,1

20,6 81,6 17,0 66,0 7,2 62,6 9,1 64,4 6,0 65,1 4,3 57,8 3,9 63,2

4,1

II — Autoridade monet. (longo prazo)1

28,9

7,1 0,3 0,1 0,0 0,0 0,0 0,0 4,5 0,4 4,4 0,3 4,4 0,3 4,4

0,3

III — Bancos

42,1

10,4 39,1 8,1 75,0 8,2 74,2 10,8 63,6 5,9 103,1 6,8 138,2 9,3 139,7

9,0

Curto prazo

18,0

4,5 18,0 3,7 38,2 4,2 34,9 5,1 28,5 2,7 51,1 3,4 38,1 2,6 32,4

2,1

Longo prazo

24,1

6,0 21,1 4,4 36,8 4,0 39,3 5,7 35,1 3,3 52,1 3,5 100,2 6,7 107,3

6,9

IV — Outros setores

60,9

15,1 48,4 10,1 52,2 5,7 61,5 9,0 65,7 6,1 84,1 5,6 97,7 6,6 105,5

6,8

Curto prazo

2,2

0,5 0,8 0,2 0,7 0,1 1,5 0,2 2,5 0,2 6,2 0,4 2,1 0,1 0,2

0,0

Longo prazo

58,7

14,5 47,6 9,9 51,5 5,6 60,1 8,7 63,2 5,9 77,9 5,2 95,6 6,4 105,3

6,8

Estoque de investimentos externos

189,1

46,8 312,1 64,8 722,1 78,9 489,1 71,1 876,6 81,6 1.250,5 83,0 1.188,4 79,9 1.243,5

79,9

 Investimento estrangeiro direto2

132,8

32,9 181,3 37,7 309,7 33,8 287,7 41,8 400,8 37,3 682,3 45,3 695,1 46,8 718,9

46,2

 Investimentos em carteira3

56,0

13,9 130,4 27,1 410,6 44,9 198,9 28,9 472,3 43,9 564,3 37,4 488,5 32,9 521,5

33,5

 Derivativos

0,1

0,0 0,2 0,0 1,8 0,2 2,5 0,4 3,4 0,3 3,8 0,3 4,7 0,3 3,0

0,2

 Outros investimentos

0,1

0,0 0,1 0,0 0,1 0,0 0,1 0,0 0,1 0,0 0,1 0,0 0,0 0,0 0,0

0,0

Passivo externo bruto

404,0

100,0 481,5 100,0 915,4 100,0 687,5 100,0 1.074,7 100,0 1.507,3 100,0 1.486,6 100,0 1.556,4

100,0

Curto prazo

76,4

18,9 149,5 31,0 451,4 49,3 237,9 34,6 506,7 47,1 625,5 41,5 533,4 35,9 557,2

35,8

Longo prazo

327,6

81,1 332,0 69,0 464,0 50,7 449,6 65,4 568,0 52,9 881,8 58,5 953,2 64,1 999,2

64,2

 Invest. direto brasileiro no exterior

54,9

40,9 79,3 47,1 141,9 37,4 157,8 38,9 167,1 35,0 191,3 31,0 206,2 28,6 277,4

32,9

 Investimentos em carteira3/

7,0

5,2 10,8 6,4 19,3 5,1 14,6 3,6 16,5 3,5 38,2 6,2 28,5 3,9 23,5

2,7

 Derivativos + outros invest.

23,1

17,2 24,3 14,4 37,8 10,0 39,5 9,7 55,5 11,6 98,8 16,0 135,4 18,8 161,1

19,4

 Ativos de reservas

49,3

36,7 53,8 32,0 180,3 47,5 193,8 47,8 238,5 49,9 288,6 46,8 352,0 48,7 376,9

45,0

Ativo externo

134,2

100,0 168,2 100,0 379,3 100,0 405,7 100,0 477,6 100,0 616,9 100,0 722,1 100,0 828,9

100,0

Passivo externo líquido

269,8

313,3 536,1 281,8 597,1 890,4 764,4 727,4
PEB CP/reservas internacionais 1,6 2,8 2,5 1,2 2,1 2,2 1,5 1,5
* 1) As posições de curto prazo nessas rubricas são próximas de zero; 2) O investimento estrangeiro direto inclui os empréstimos intercompanhia — e, portanto, a dívida externa exclui esta rubrica; 3) A dívida externa inclui os investimentos em títulos de renda fixa no exterior — e, portanto, o estoque de investimentos em carteira exclui estes valores.
Fonte: Banco Central do Brasil, Séries Temporais: Posição Internacional de Investimento e Dívida Externa Bruta. Elaboração própria.

 

Tabela 5
Composição da dívida externa brasileira (Em %)

Composição da dívida externa 20003 2005 2007 2008 2009 2010 2011 2012
I — Governo geral 38,7 48,2 34,2 31,5 32,5 25,4 19,4 20,2
Curto prazo 0 0 0 0 0 0 0 0
Longo prazo 38,7 48,2 34,2 31,5 32,5 25,4 19,4 20,2
II — Autoridade monetária 13,4 0,2 0,0 0,0 2,3 1,7 1,5 1,4
Curto prazo 0 0 0 0 0 0 0 0
Longo prazo 13,4 0,2 0,0 0,0 2,3 1,7 1,5 1,4
III — Bancos 19,6 23,1 38,8 37,4 32,1 40,2 46,4 44,7
Curto prazo 8,4 10,6 19,8 17,6 14,4 19,9 12,8 10,4
Longo prazo 11,2 12,5 19,1 19,8 17,7 20,3 33,6 34,3
IV — Outros setores 28,3 28,6 27,0 31,0 33,1 32,7 32,8 33,7
Curto prazo 1,0 0,5 0,4 0,7 1,2 2,4 0,7 0,0
Longo prazo 27,3 28,1 26,6 30,3 31,9 30,3 32,1 33,7
Total Curto prazo 9,4 11,1 20,1 18,4 15,6 22,3 13,5 10,4
Total Longo prazo 90,6 88,9 79,9 81,6 84,4 77,7 86,5 89,6
Nota: 1) Exclui os empréstimos intercompanhia, que neste trabalho são registrados como investimento estrangeiro direto.2) Dados de dezembro de cada ano.
Fonte: Banco Central do Brasil, elaboração própria.

 

Esta conjuntura foi modificada a partir dos eventos que marcaram o último trimestre de 2008, mas a normalidade foi logo retomada, de modo que o biênio seguinte marcou um novo ciclo de expansão da dívida externa privada, notadamente o ano de 2010. A rápida recuperação da liquidez internacional a partir da política monetária frouxa implementada pelos países desenvolvidos, associada ao novo ciclo de elevação da taxa básica de juros pelo Banco Central do Brasil a partir de 2010, teria induzido operações de arbitragem por parte do setor privado brasileiro, captando recursos no exterior na modalidade de empréstimos. Enquanto o setor produtivo utiliza estes recursos como substituição às fontes internas de financiamento[12], o setor bancário os utiliza como funding para expansão de suas operações de crédito, captados a taxas mais favoráveis e sobre as quais impõem elevados spreads. A redução da taxa básica de juros a partir de 2011 até atingir o patamar mínimo histórico refreou este movimento, de modo que a dívida externa pouco variou no ano de 2012 em comparação com 2011. Composta essencialmente por dívida do setor privado, a dívida externa brasileira assumiu, assim, uma dinâmica em parte colada à trajetória da taxa de juros doméstica, devido ao movimento descrito acima, qual seja, de aumento da captação de recursos externos nos momentos de aperto da política monetária. Com efeito, os bancos assumiram a primazia na composição da dívida externa, representando cerca de 44% do total em dezembro de 2012. Também é notável a redução da componente de curto prazo dessa dívida ocorrida nos anos de 2011 e 2012: depois de ter alcançado o patamar de 22% em dezembro de 2010, cai para pouco mais de 10% em 2012, o que evidencia uma melhora do seu perfil.

Apesar da trajetória de crescimento, o endividamento externo tem reduzido a sua participação no passivo externo bruto brasileiro, atingindo pouco mais de 20% em dezembro de 2012, contra 34% em 2003. Isso significa que a componente representada pelo estoque de investimentos externos tem crescido a taxas ainda mais elevadas, especialmente os assim chamados investimentos em carteira, que alcançaram 33% em 2012, e os investimentos diretos, cuja fatia foi de 46% (tabela 4). A próxima seção discutirá a componente do passivo externo representada pelos investimentos.

 

2.2. Estoque de investimentos

O aumento da participação das duas componentes de investimentos estrangeiros (diretos e em carteira) no passivo externo sinaliza, por tautologia, que ambas crescem a velocidade superior à dívida. A natureza das duas modalidades é distinta. O investimento direto externo (IDE) possui uma natureza mais estável, e por isso foi pouco afetado pela crise financeira de 2008 (tabela 4). Em geral seu comportamento é explicado a partir de determinantes outros que não os ganhos de curto prazo (Carneiro, 2002). Já o investimento em carteira, este sim motivado por ganhos financeiros de curto prazo, constitui uma modalidade mais instável. De fato, a maior parte da redução do passivo externo brasileiro ocorrida em 2008 concentrou-se nesta modalidade (tabela 4). De forma análoga, a retomada da expansão do PEB ocorrida já a partir do ano seguinte também está essencialmente associada ao retorno do investimento externo em carteira: a redução das taxas de juros nos países desenvolvidos como resposta à crise financeira rapidamente recompôs o volume de liquidez internacional, garantindo a retomada de fluxos de capitais em portfolio para o Brasil[13].

Por sua natureza volátil, o estoque de investimento em carteira pode ser considerado um passivo de curto prazo. Somado à dívida de curto prazo, chega-se ao conceito de passivo externo bruto de curto prazo. Este conceito é útil porque mede a pressão exercida pelos compromissos vincendos no curto prazo sobre as reservas cambiais, com maior potencial gerador de instabilidade econômica. Conforme os dados da tabela 4 permitem visualizar, a trajetória da parcela de curto prazo do passivo externo bruto brasileiro apresenta uma tendência ascendente até o ano de 2008, quando passa a descrever trajetória bastante instável. As quedas em 2008 e 2011 coincidem com os marcos da atual crise financeira internacional — respectivamente a falência do Lehman Brothers e a crise fiscal dos países da Zona do Euro.

A aparente melhoria da composição do PEB acaba por mascarar o grau de exposição da economia brasileira ao cenário de maior volatilidade das finanças internacionais: componente de curto prazo do PEB reduz depois da fuga (ou da redução dos fluxos positivos) de capitais externos na modalidade de portfolio, e volta a aumentar quando a liquidez internacional retoma as condições de normalidade; a taxa de câmbio responde a esses movimentos, depreciando-se nos momentos de reversão dos fluxos de capitais. Ou seja, a melhoria da composição do PEB não é resultado de uma modificação do padrão da inserção externa brasileira, mas apenas reflete as mudanças ocorridas nas condições financeiras internacionais.

 

2.3. Passivo externo líquido

Como já foi dito acima, ao se deduzir do PEB o estoque de ativos brasileiros no exterior, chega-se ao conceito de passivo externo líquido (PEL). Os dados da tabela 4 mostram relativa estabilidade do PEL entre 2003 e 2004, expansão no triênio seguinte, contração no ano da crise financeira (2008), expansão no biênio de 2009-2010, e contração no biênio seguinte. Entre os ativos externos, destaca-se a expansão do investimento direto de empresas brasileiras no exterior, e o crescimento do estoque de reservas internacionais, iniciado a partir de 2006 e intensificado nos anos seguintes. Com efeito, os ativos do País no exterior saltaram de US$ 49 bilhões para US$ 376 bilhões em 2012. Entretanto, esses números pujantes não foram capazes de impedir o crescimento do passivo externo líquido de US$ 269 bilhões em 2003 para US$ 727 bilhões em 2012, depois de um ápice de US$ 890 bilhões em 2010.

Ademais, embora de bastante utilidade, o conceito de PEL ainda não capta perfeitamente as condições de solvência externa. Por definição, ativos acumulados no exterior por empresas privadas por aquisição de participações nem sempre possuem liquidez imediata, e não podem ser utilizados para saldar compromissos de outros agentes privados, especialmente os de curto prazo. Neste sentido, a comparação relevante é entre o PEB e o estoque de reservas internacionais.

A política agressiva de composição das reservas internacionais implementada pelo Banco Central, notadamente a partir de 2006[14], permitiu que a relação PEB de curto prazo/reservas internacionais caísse de forma expressiva a partir de 2007. Este indicador, por definição, também é sensível às volatilidades dos mercados financeiros internacionais, e no contexto atual — de expansão do estoque de reservas internacionais — também tende a melhorar como reflexo de condições externas mais adversas que resultem em redução dos fluxos financeiros de curto prazo (tabela 4).

Dado o volume de reservas internacionais, que em dezembro de 2012 totalizava US$ 376 bilhões, esses indicadores de solvência dizem menos respeito à capacidade do País resistir a um ataque especulativo[15] e mais à volatilidade dos mercados financeiros internacionais e domésticos — neste último caso, porque possui dimensões ainda diminutas quando comparadas às dos países desenvolvidos. Particularmente, a deterioração destes indicadores aponta para maior volatilidade na taxa de câmbio nominal nos momentos de reversão dos fluxos financeiros, bem como para uma maior volatilidade da taxa de juros nominal como provável resposta da política monetária sob a lógica do regime de metas de inflação.

Dada a composição desses estoques (dívida, investimento estrangeiro direto e investimento estrangeiro em carteira), cabe agora analisar os fluxos a eles associados. Enquanto o endividamento externo engendra fluxos de pagamentos de juros e amortizações, o investimento estrangeiro provoca saída de recursos sob a forma de remessas de lucros e dividendos. Esses fluxos compõem a chamada conta de rendas da balança de transações correntes do balanço de pagamentos.

 

2.4. Análise dos fluxos

A conta de rendas do balanço de pagamentos é cronicamente deficitária para o Brasil. Historicamente devedor líquido de credores internacionais, o pagamento de juros do estoque de dívida explicava o déficit da conta de rendas até poucos anos atrás. A intensificação dos influxos de capitais externos sob a forma de investimentos diretos levou à expansão dos pagamentos na rubrica de remessa de lucros e dividendos, de modo que as rendas do IDE respondem atualmente pela maior parte do déficit de rendas. A tabela 6 a seguir apresenta a evolução da conta de transações correntes do balanço de pagamentos brasileiro.

 

Tabela 6
Brasil: transações correntes — US$ milhões

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Transações correntes 4.177 11.679 13.985 13.643 1.551 -28.192 -24.302 -47.365 -52.480 -54.246
Balança comercial 24.794 33.641 44.703 46.457 40.032 24.836 25.290 20.221 29.807 19.431
 Exportações 73.084 96.475 118.308 137.807 160.649 197.942 152.995 201.915 256.040 242.580
 Importações -48.290 -62.835 -73.606 -91.351 -120.617 -173.107 -127.705 -181.694 226.233 223.149
Balança de serviços e rendas -23.483 -25.198 -34.276 -37.120 -42.510 -57.252 -52.930 -70.373 -85.271 -76.523
Serviços -4.931 -4.678 -8.309 -9.640 -13.219 -16.690 -19.245 -30.807 -37.952 -41.075
 Viagens internacionais 218 351 -858 -1.448 -3.258 -5.177 -5.594 -10.503 -14.709 -15.588
 Aluguel de máq. e equip. -2.312 -2.166 -4.130 -4.887 -5.771 -7.808 -9.393 -13.752 -16.686 -18.741
 Outros -2.836 -2.862 -3.320 -3.306 -4.190 -3.704 -4.259 -6.552 -6.557 -6.746
Rendas -18.552 -20.520 -25.967 -27.480 -29.291 -40.562 -33.684 -39.567 -47.319 -35.448
 Do IDE -5.098 -5.789 -10.302 -12.826 -17.489 -26.775 -19.742 -25.504 -29.631 -19960
 Do Investimento em carteira -8.743 -10.415 -11.778 -11.028 -7.065 -8.039 -9.213 -9.964 -12.164 -9.911
 Outros -4.711 -4.316 -3.887 -3.626 -4.737 -5.748 -4.729 -4.099 -5.524 -5.577
Transferências unilaterais 2.867 3.236 3.558 4.306 4.029 4.224 3.338 2.788 2.984 2.846
 Fonte: Banco Central do Brasil, elaboração própria.

 

A reforçar o déficit da conta de rendas, o saldo da conta de serviços também tem se deteriorado, especialmente nos itens referentes a viagens internacionais e aluguel de máquinas e equipamentos. Trata-se de itens cuja dinâmica é mais fortemente vinculada aos movimentos internos da economia, em particular à expansão da renda doméstica e à taxa de câmbio sobrevalorizada. A rubrica de aluguel de máquinas e equipamentos acaba por mascarar o superávit comercial, já que nela são registradas operações envolvendo máquinas e equipamentos estrangeiros utilizadas na produção interna, e que se adquiridas configurariam operações de importação.

De todo modo, é de se notar que desde o ano de 2007 a balança comercial brasileira tornou-se incapaz de gerar saldos suficientes para cobrir o déficit da balança de serviços e rendas, o que resultou em uma reversão dos superávits em transações correntes. A redução dos saldos comerciais a partir de 2008 explica parte deste movimento[16]. A desarticulação do comércio internacional com a eclosão da crise financeira internacional explica certamente a queda drástica das exportações ocorrida nesse ano, mas não é suficiente para explicar a continuidade desta trajetória. Note que já em 2010 as exportações brasileiras atingem o patamar pré-crise, muito embora o saldo comercial permaneça abaixo deste patamar até o ano seguinte. O desempenho da balança comercial após a crise de 2008 parece ter uma componente mais fortemente pró-cíclica: a forte recuperação da economia brasileira no ano de 2010, quando o PIB cresceu 7,5%, acarretou um crescimento nominal das importações de ordem de 40% no mesmo ano, taxa muito superior ao do crescimento das exportações (pouco mais de 30%), de modo que o superávit comercial neste ano alcançou um dos menores patamares desde 2002; a desaceleração dos anos seguintes permitiu que em 2011 o superávit comercial superasse o patamar pré-crise, mas no ano de 2012 o saldo comercial voltou a declinar.

 

Gráfico 1
Brasil: exportações e importações (US$ milhões e taxa de variação nominal)

Capitulo5-1

Capitulo5-2
Fonte: Banco Central do Brasil, elaboração própria.

 

Na balança comercial reside o aspecto mais perverso da inserção externa brasileira. O desmonte de diversas cadeias produtivas nacionais, ocorrido ao longo da década de 1990 por ocasião das reformas de caráter liberalizante, tornou o sistema produtivo brasileiro mais dependente de importações de insumos produtivos, máquinas e equipamentos, o que se traduziu em um acentuado aumento das importações nos períodos de intensificação do crescimento do PIB e da renda doméstica (Ferrari-Filho, Silva e Schatzmann 2011: 32). Carneiro (2002) já havia mostrado que o processo de abertura comercial ocorrido no Brasil durante os anos 1990, associado à valorização da taxa de câmbio real, resultou no aumento do coeficiente importado da indústria brasileira e reduzido o grau de integração entre as cadeias que foram preservadas. Atualmente, não há evidências de que este padrão tenha se modificado (Carneiro, 2010). Por outro lado, as commodities agro-minerais, cujos preços são determinados nos mercados internacionais, têm elevado suas participações na composição das exportações brasileiras em detrimento do setor industrial. A composição das exportações industriais, por sua vez, vem tornando-se menos especializada em manufaturas em detrimento dos semimanufaturados, onde se classifica a assim chamada agro-indústria, ou indústria intensiva em recursos naturais (tabela 7). E, entre os setores industriais de mais alta intensidade tecnológica, a componente importada é bastante elevada. Por exemplo, os setores produtores de bens de capital constituem, em grande parte, meras atividades de montagem — também chamadas de maquillas[17](Carneiro, 2010). Também a indústria químico-farmacêutica opera no País com elevado coeficiente de importação — ou seja, a expansão desses setores, ainda que quando voltada para atender à demanda externa, ocorre com a expansão da demanda por divisas cambiais.

Tabela 7
Composição das exportações brasileiras por fator agregado (%)

% das exportações totais
Grupos/Intensidade

2003

2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

2012

Básicos

29,0

29,6 29,3 29,2 32,1 36,9 40,5 44,6 47,8

46,7

Industrializados

69,2

68,8 68,6 68,6 65,8 60,5 57,4 53,4 50,4

50,9

Semimanufaturados

15,0

13,9 13,5 14,2 13,6 13,7 13,4 14,0 14,1

13,6

Manufaturados

54,3

54,9 55,1 54,4 52,3 46,8 44,0 39,4 36,3

37,3

Operações especiais

1,7

1,6 2,1 2,1 2,0 2,6 2,1 2,0 2,1

2,2

% das exportações industriais
Grupos/Intensidade 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Semimanufaturados

21,6

20,2 19,7 20,7 20,6 22,6 23,3 26,2 27,9

26,7

Manufaturados

78,4

79,8 80,3 79,3 79,4 77,4 76,7 73,8 72,1

73,3

 Fonte: MIDIC/Secex, elaboração própria

 

A complementar o cenário descrito acima, o aumento das importações de produtos manufaturados a taxas mais elevadas tem provocado significativas modificações na composição do saldo comercial brasileiro. Como pode ser visualizado através do gráfico 2 abaixo, o setor de manufaturas tornou-se deficitário desde 2007, com forte tendência a deterioração, ao passo que o superávit em produtos básicos tem se elevado com rapidez. A cristalização do processo conhecido como especialização regressiva contribui para a constituição de um quadro no qual a capacidade de geração de divisas por meio do comércio exterior de bens é altamente dependente da trajetória dos preços das commodities agrominerais.

 

Gráfico 2
Brasil: saldo comercial por fator agregado (US$ bilhões)

Capitulo5-3

Fonte: MIDIC/Secex, elaboração própria.

 

Se a via do comércio exterior é incapaz de gerar divisas suficientes para o pagamento dos compromissos com o exterior sob a forma de importações e ao mesmo tempo remunerar o estoque de capitais externos na conta de rendas do balanço de pagamentos, a economia brasileira torna-se mais dependente dos recursos sob a forma de dívida e investimento externos. Isto aumenta ainda mais o passivo externo e realimenta todo o processo, uma vez que a obtenção de divisas por meio da atração de capitais externos na forma de dívida e investimentos implica em mais remessas futuras de divisas cambiais para o exterior sob a forma de juros e lucros.

Isto constitui uma ameaça ao já fragilizado setor externo brasileiro, uma vez que quando a geração de divisas cambiais por meio da balança comercial é insuficiente para garantir a geração de superávits em transações correntes, as necessidades de financiamento desses déficits tornam a dinâmica da economia vulnerável também aos ciclos de liquidez internacional, e tornam mais voláteis os seus preços-chave, notadamente taxa de câmbio e de juros, com impactos sobre o nível de atividade.

O aumento do passivo externo e, portanto, das remessas futuras de juros, lucros e dividendos para o exterior sinalizam para piora da vulnerabilidade externa estrutural, a qual parece ter sido mascarada pelo expressivo estoque de reservas internacionais e pela melhoria de alguns indicadores de solvência de curto prazo[18]. Entretanto, quando se considera a totalidade de compromissos de curto prazo, verifica-se que superam o estoque de reservas internacionais. Em outras palavras, qualquer reversão do atual ciclo de liquidez provocará ao menos grande volatilidade cambial, como a que foi vista entre setembro de 2008 e março de 2009, com impactos sobre a inflação e, a considerar-se a forma através da qual o regime de metas de inflação é conduzido no Brasil, também pode-se esperar volatilidade na taxa de juros e no produto.

 

Observações finais

A análise dos passivos em moeda doméstica e em moeda estrangeira, dos setores público e privado, em volume e em composição, permite concluir que os desequilíbrios externos são mais preocupantes do que os internos. Há uma equivocada dimensão dada pela maior parte dos analistas[19] ao problema da dívida pública interna, quando o obstáculo maior ao crescimento e ao desenvolvimento econômico brasileiro demonstra ser o passivo externo.

A dívida pública revela um mecanismo endógeno de sustentabilidade. Primeiro, porque é essencialmente interna; e, segundo, porque parte significativa está sendo tomada para patrocinar investimentos produtivos e acumular reservas internacionais. Eliminou-se, temporariamente, um dos fantasmas da dívida pública do passado — a sua exposição às flutuações cambiais que decorriam dos choques externos adversos. A dinâmica da dívida pública está, hoje, ancorada aos mecanismos internos da política monetária, cambial e fiscal, e, portanto, sob controle do Tesouro e Banco Central. Esta é uma realidade substancialmente diferente de períodos históricos anteriores. Permanece, entretanto, o forte mecanismo de alimentação da especulação financeira associada às elevadas taxas de juros que remuneram os títulos públicos. Mas, há um diferencial nestes novos tempos. A dívida tem revelado, muito mais acentuadamente do que no passado, a sua dupla dimensão: a de ser não apenas um veículo de expansão da riqueza financeira sob a forma de títulos públicos, mas também contribuir à expansão econômica geradora de crescimento do consumo, emprego e renda. Esta última característica só se tornaria dominante se a política monetária fosse reestruturada e ajustada para atender às necessidades do desenvolvimento. Aí reside, entretanto, o grande quebra-cabeça da política nacional.

Os desequilíbrios externos parecem mais inquietantes. Os períodos de bonança financeira internacional coincidem com a maior atração de capitais externos de curto prazo e piora da composição do passivo externo bruto brasileiro, ao passo que a melhora do perfil deste indicador somente ocorre depois de movimentos exógenos de retração desses fluxos, normalmente acompanhados de brusca desvalorização cambial e efeitos inflacionários. O crescimento do PEB implica em um volume maior de recursos destinados à sua remuneração, reforçando a armadilha na qual a economia brasileira se encontra: os saldos comerciais não são capazes de garantir os pagamentos de juros e as remessas de lucros, e o equilíbrio externo requer nova expansão do passivo, realimentando todo o processo.

A redução desta vulnerabilidade passa pela capacidade da economia brasileira reequilibrar sua conta de transações correntes. Fazê-lo por meio da balança comercial constitui tarefa difícil, dada a composição da pauta exportadora. Aqui reside o segundo problema. Sem o resgate de uma política de desenvolvimento que, por definição, implica na promoção de modificações na estrutura produtiva produzindo reflexos na pauta exportadora brasileira, o único meio de expandir os saldos comerciais é através da expansão contínua dos preços e da demanda internacional por commodities — ou seja, fatores fora do manejo da política econômica doméstica. Ocorre, porém, que mesmo uma estratégia de desenvolvimento não poderá ser implementada sem a deterioração da própria balança comercial, dado o elevado conteúdo importado da produção industrial brasileira. Até aqui, a economia brasileira não tem sido capaz de tirar proveito do recente ciclo de liquidez internacional para a promoção de políticas que fossem capazes de engendrar a modificação da estrutura produtiva brasileira, nos marcos de um processo de substituição de importações.

 

Referências

ARAUJO, V. L. & GENTIL, D. L. (2011) “Uma análise da resposta da política econômica brasileira à crise financeira internacional”. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, n 28, fevereiro de 2011.

BACHA, E. (2010) Além da tríade: há como reduzir os juros? Instituto de Estudos de Política Econômica Casa das Garças, Texto para Discussão nº 17.

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  1. A despeito de indicadores mais saudáveis do ponto de vista fiscal, diversos autores argumentam que a política fiscal oferece riscos à continuidade do crescimento do PIB. Ver a este respeito: Parnes & Goldfajn (2009), Delfim Netto (2009), Bacha (2010).
  2. A dívida líquida do setor público é resultado da diferença entre a dívida bruta e os ativos financeiros, e abarca os valores do governo federal, dos estados e municípios, além do Banco Central e das estatais do setor produtivo. Este trabalho utilizará a série disponibilizada pelo Banco Central, com dados que excluem a Petrobrás. Desde maio de 2009 a Petrobrás foi retirada das metas de superávit primário e seus resultados deixaram de integrar as estatísticas fiscais da dívida pública.
  3. Para uma avaliação crítica da política fiscal e da dívida pública dos anos 1990 até 2002, ver HERMANN, J. (2002).
  4. O último dado de dívida externa líquida captado por este artigo foi junho de 2013.
  5. Conforme Banco Central, Série Histórica da Dívida Líquida do Setor Público, vários exercícios. Ver Tabela 4.
  6. Como alertam DOS SANTOS e MACEDO e SILVA, “...grande parte dos ativos financeiros do setor público — notadamente recursos do FAT (Fundo de Aparo ao Trabalhador) e parte significativa dos recentes empréstimos ao BNDES — é remunerada à ‘taxa de juros de longo prazo’ (TJLP), que é significativamente menor do que a SELIC. E isto sem contar as reservas internacionais que são remuneradas às taxas de juros internacionais, hoje próximas de zero” (DOS SANTOS e MACEDO e SILVA, 2010).
  7. Para se ter uma idéia da magnitude desse custo fiscal de manutenção das reservas internacionais, no quarto trimestre de 2009 ele representou R$15,7 bilhões, conforme Balancete de Demonstrações Financeiras-Contábeis do Banco Central. Gobetti e Schettini (2010) mencionam um custo de R$170 bilhões entre 2003 e 2009 utilizando como base os dados do Banco Central.
  8. Pereira & Simões (2010), mostraram que, após a eclosão da crise financeira no final de 2008, a manutenção do investimento a partir da ação de fomento do BNDES teria contribuído para preservar parte da arrecadação tributária federal e que, em um cenário de racionamento do investimento, a perda de arrecadação poderia equivaler à totalidade do custo direto da operação.
  9. As empresas beneficiadas seriam a Mafrig, JBS, Perdigão-Sadia (Brasil Foods), a Oi-BrT, a Votorantim-Aracruz (Fibria), a Odebrecht-Braskem, MPX e a Petrobrás. Para uma abordagem crítica desta estratégia, ver Tautz et alli (2010).
  10. Para uma avaliação da influência da estrutura patrimonial sobre a trajetória e o custo da dívida pública ver GOBETTI e SCHETITINI, 2010. Os autores usam um modelo determinístico que endogeniza a taxa implícita para avaliar a sustentabilidade da dívida e o custo de determinadas estratégias de gestão patrimonial. Os autores concluem: “um resultado importante da análise empreendida é o de que a queda da dívida líquida deve ocorrer de forma mais lenta do que o usualmente projetado com base em modelos determinísticos com taxa de remuneração exógena. O aprofundamento ou manutenção da atual estratégia de administração patrimonial possivelmente produzirá, na realidade, uma taxa de juros implícita crescente nos próximos anos. Isso [...] se materializa em um custo fiscal não desprezível no médio e longo prazo. Considerando a atual política de expansão dos ativos internos e externos como sendo dada, um custo fiscal menor torna-se compatível com os objetivos de política monetária apenas se as condições necessárias para queda na taxa que remunera os títulos do Tesouro forem criadas”.
  11. Conforme Banco Central, Boletim do Banco Central, Relatório Anual de 2009, disponível aqui.
  12. Não necessariamente de longo prazo para financiamento da formação bruta de capital fixo.
  13. E para os países emergentes de modo geral. Ver Araujo & Gentil (2011).
  14. Não se trata de uma política deliberada de acumulação de reservas com o intuito de reduzir a vulnerabilidade externa do País, mas sim parte integrante de um regime cambial de flutuação suja no qual a autoridade monetária intervém para impedir a excessiva volatilidade da taxa de câmbio nominal.
  15. Com um volume de reservas bastante inferior (US$ 206 bilhões) a economia brasileira foi capaz de resistir ao ataque especulativo associado à pior crise financeira desde a crise dos anos 1930. O custo foi a enorme volatilidade da taxa de câmbio nominal, que atingiu a cotação de R$ 2,39/US$ 1 em 20/11/2008.
  16. A outra parte consiste, obviamente, no aumento do déficit de rendas.
  17. Traduzido do espanhol, significa maquiagem, ou seja, estatísticas que aparentemente sugerem um cenário benigno para o setor industrial, pela presença de indústrias de elevado conteúdo tecnológico, são na verdade maquiagem de meras montadoras que importam boa parte dos componentes.
  18. Serrano e Summa (2011) mencionam, por exemplo, a relação entre o saldo em transações correntes e as exportações, e também a relação entre dívida externa de curto prazo e reservas internacionais.
  19. Salvo algumas honrosas exceções como Filgueiras e Gonçalves (2007) e Serrano e Summa (2011).

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